sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A criança, ao se relacionar com o meio ambiente, começa a pôr em prática suas características linguageiras

Dejane Oliveira de Sousa *
Mara Rogelma Soares Torres *
Maria Cassiana Farias Silva *


RESUMO
A criança, ao se relacionar com o meio ambiente, começa a pôr em prática suas características inatas. À medida que o adulto lhe proporciona condições de explorar tudo o que a cerca, agindo de acordo com seu interesse, a criança dá início às primeiras palavras, conhecidas como balbucio. Essa conquista de espaço, por parte da criança, lhe dará suporte para um melhor conhecimento de seu corpo, de suas habilidades de movimento, ou seja, seus referenciais motores. Durante essa fase de aquisição, alguns atrasos podem ser detectados, surgindo, também, muitas superstições para resolvê-los.

PALAVRAS-CHAVE
Balbucio. Referenciais motores. Primeiras palavras. Atrasos. Superstições.

1. INTRODUÇÃO
Constantemente temos a curiosidade de saber onde se inicia a aquisição da linguagem (suas possíveis etapas). Por meio de vários estudos sobre o assunto, obtemos muitas informações, às quais tentaremos repassar e incorporar à vida de muitas pessoas, principalmente as mães, fazendo-as entender a importância desses conhecimentos referentes ao processo de aquisição da linguagem.

2. DESENVOLVIMENTO
Sabemos que há uma trajetória normal no desenvolvimento da aquisição da linguagem. Começando pela definição de linguagem: linguagem é um sistema finito e autônomo, “um aspecto da capacidade cognitiva humana” (CHOMSKY: 1975), “é um sistema finito de princípios e regras que permitem que um falante codifique significado em sons e que um ouvinte decodifique sons em significado.” (GERBER: 1996, p.52).
Sendo uma trajetória normal, as crianças adquirem uma linguagem em um processo normal, que rege um percurso aparentemente igual, todavia, neste pode ocorrer um atraso que, por um lado, ao ser trabalhado, pode ser reversível e ter um motivo específico. Por outro lado, existem casos ocasionados por problemas de saúde como uma doença neurológica, sendo bem mais complicado o seu tratamento, mas não impossível.
Como exemplo ao último caso citado, os problemas de aquisição da linguagem em categorias como “afasia evolutiva”, “disfasia evolutiva”, que estão relacionados a transtornos derivados de lesões em determinadas áreas cerebrais. Já o “retardo de linguagem” e “transtorno evolutivo de linguagem”, que estão relacionados ao ritmo e à velocidade de aquisição. Porém, cabe-nos situar todo o processo de construção da linguagem, indicando as possíveis etapas, diz-se possíveis por não ter uma divisão clara, embora, no processo, a construção seja encaminhada progressivamente e misturada, ou seja, não há uma época somente para os fonemas, outra para as palavras, etc.
A princípio, seria inevitável saber onde todo o surgimento da linguagem se dá. Vários estudos já foram feitos e tiveram algumas conclusões, estas indicam que, nos primeiros meses de idade, a criança produz sons, detêm-se aos olhares, sorrisos, posturas e voz, ou seja, vários fatores se entrelaçam e fazem surgir os primeiros sinais de linguagem, o chamado “balbucio inarticulado”, onde a criança utiliza a maioria dos sons vocálicos, que alguns o chamam de “balbucio selvagem”.
Os referenciais motores são fundamentais no processo de aquisição. Como exemplo, podemos citar: aos três meses de idade a criança começa a levar algum pano à boca ou, até mesmo, a questão da chupeta (tão criticada por alguns); este fato é importantíssimo ao processo, pois ajuda na aquisição ou aprendizagem dos fonemas nasais, das vogais e das consoantes bilabiais. Um outro exemplo: todos percebem que as crianças tendem a manter o olhar fixado na nossa boca ao falarmos, isso leva elas a terem percepção das articulações que surgem ao produzirmos os sons da fala (fones), além de, dos seis aos oito meses de idade, a criança se divertir com o barulho produzido. Neste momento, ocorre uma discriminação auditiva, que ajudará na percepção dos fonemas da língua.
Entre tantos outros, estes referenciais motores são importantes no processo de desenvolvimento da linguagem e ocorre, no seu início, por volta do segundo ou terceiro mês de idade, o fato da criança adquirir diversos fatores que favorecem ao seu longo processo de aquisição, como foi descrito acima. E vale ressaltar que parece haver esta construção (balbucio inarticulado) em todas as crianças, no mesmo período de tempo, até mesmo naquelas que, por ventura, não fizeram uso da linguagem falada (mudas).
No balbucio inarticulado há a interação adulto-criança. A comunicação se passa por olhares, posturas, voz; como diz Paule Aimard “estamos assistindo, sem dúvidas, ao início da linguagem” (AIMARD: 1998, p. 56).
Com o início da linguagem (balbucio inarticulado), que também chamamos de “pré-linguagem”, a criança passa ao “nível” seguinte (lembrando que não estamos sugerindo etapas, pois todo o processo é um conjunto, e as coisas acontecem quase ao mesmo tempo). Com o decorrer do processo, a criança passa a adquirir voz e suas modulações (estamos nos referindo àquelas que terão a capacidade de falar), e o balbucio evolui, passando a ser articulado, momento em que a criança apresentará apenas os distintos fonemas que caracterizam a primeira língua da criança, ou seja, passa a modelar a língua.
Aqui surge uma dúvida: se a linguagem surge de uma estrutura cognitiva inata e específica; se ela é semelhante a todos os outros comportamentos adquiridos ou se é resultado da aprendizagem de interação com o meio social ao qual a criança está inserida. Mais adiante iremos voltar e trabalhar melhor essa questão. Agora iremos fazer uso da seguinte afirmação: “elas crescem falando e entendendo a linguagem dos seus pais e, na maioria das vezes, tornam-se proficientes no uso desta linguagem em contextos sociais e educacionais” (GERBER: 1996, p. 52) e valorizar a ação dos pais, pois, neste momento, a criança ouve constantemente os adultos conversarem ao seu redor e levam este repertório fonético de sua língua mãe, através da “imitação”, para sua vivência pessoal.
Dessa forma, é super importante que o ambiente em que a criança viva seja um ambiente onde a linguagem flua, ou seja, que haja bastante conversação, estimulado a criança a reproduzir os sons e favorecendo no seu desenvolvimento lingüístico.
Segundo Aimard, “há muito mais que imitação no balbucio” (AIMARD: 1998, p. 61). Para ele, a criança sente prazer de brincar com sons, com a ajuda da voz. Assim, nesse jogo de repetir o que escuta, até mesmo a repetição da própria fala, ela tende a aprimorar sua fala, principalmente por volta do 12º mês, quando apresenta um balbucio bastante rico.
Nesta fase, ocorre o que chamamos de “reduplicação silábica”, da qual surgirão as primeiras palavras, que, mesmo sendo vagas, são consideradas, por uns, como as primeiras palavras. São estas vagas palavras que permitirão o reconhecimento do que a criança está pronunciando, como por exemplo, quando a criança diz “dada” para referir-se a sua babá, caso seja uma pessoa que esteja fora do convívio da determinada criança, não será possível o real entendimento da palavra dita.
Por volta do 24º mês de idade, a criança produz realmente as primeiras palavras. São esperadas “papai” e “mamãe”, porém, não se deve estranhar se estas não forem as primeiras. Nessa mesma idade, as crianças começam a freqüentar a escola (creche), esse fato as leva ao contato contínuo com outras crianças, aumentando, assim, o seu repertório fonético.
Com a aquisição dessas primeiras palavras, elas tendem a “cometer erros de super-extensão, nas quais estendem o significado de uma palavra para englobar mais conceitos do que a palavra visa englobar”, (STEMBERG, p. 323), além de evitarem palavras que não conseguem dizer e apresentarem preferência por palavras que conseguem dizer.
Ao final do 24º mês de idade, como já aprendeu cerca de 10 palavras, além de “papai” e “mamãe”, e compreende um número muito maior, passa a produzir enunciados constituídos por cerca de duas palavras, o que Paule Aimard chama de “palavra-frase”. Esses enunciados serão os precursores, ou melhor, o esboço das primeiras frases.
Porém, somente no 36º mês de idade é que a criança adquirirá os principais aspectos da língua: o sistema fonético, o léxico, as formas gramático-sintáticas, que a favorecerão nas produções frasais. Nesta idade, que alguns chamam de “idade de ouro da linguagem infantil”, as aquisições são várias e levam a um desenvolvimento muito rápido e progressivo.
Voltemos ao ponto do inato e do adquirido. Como havíamos dito antes, parece haver um dispositivo inato para a criança adquirir linguagem, porém, será que, se não existisse a ação do meio, ela iria obter a aquisição? Paule Aimard nos diz: “mesmo se admitirmos que a criança possua aptidões inatas, uma espécie de pré-programação das estruturas de linguagem, não constrói nada se não tomar um banho de linguagem.” (AIMARD: 1998, p. 92). A partir da afirmação, pautamos que, mesmo que seja inata essa aquisição, precisamos ter exemplos e modelos, os quais iremos seguir.
Comumente, a criança não extrai esses modelos apenas da interação, pois é forte a presença da televisão em sua rotina. No momento em que a criança faz uso da televisão, é importante a presença de um adulto, instruindo-a, para que seu mundo não seja dominado pela ficção, onde tudo é possível. De acordo com Adele Gerber: “as interações sociais são os cenários dentro dos quais a criança participa ativamente com o usuário maduro da língua, para adquirir a função comunicativa da língua.” (GERBER: 1996, p. 61) e aprende que a língua pode ser usada para pedir, expor, enfim, comunicar-se.
A partir do 36° mês de idade, a criança se desenvolve maturacionalmente, ou seja, à medida que cresce, ela adquire maior desenvolvimento. Lembrando, também, que, a partir desta idade, a criança ingressa na pré-escola e, consequentemente, ocorre o amadurecimento de suas habilidades, como nos cita Grunwell (1996): “diversos estudos sugerem que as crianças continuam a amadurecer em suas habilidades perceptivas durante seus anos escolares.”
Mesmo algumas crianças apresentando problemas de aquisição, é nesta fase que reside o progresso da maturidade infantil. Em certas crianças se dá de maneira mais demorada (atraso); já em outras, de forma mais rápida.
Entra aqui uma questão: superstição. São várias as várias superstições existentes quando a criança apresenta esses atrasos na fala, sendo submetida a experiências próprias das pessoas mais velhas, que acreditam apresentar a “cura” do problema.
Daremos alguns exemplos dessas experiências, a começar pela famosa água de chocalho, a qual leva a crendice que, ao dar água num chocalho para uma criança que ainda não fala, ela passará a falar até mais que uma outra já falante.
Outra crendice seria o “miolo de cancão”. Nesta, em vez de água, a criança terá que comer miolo (massa da cabeça da ave), para que dê início à prática da fala.
Uma outra crença é a seguinte: colocar um pinto (filhote da galinha) para piar na boca da criança, provocando, assim, a fala.
Todas essas superstições (acredita-se) foram construídas no período em que não se tinha reais explicações para a aquisição da linguagem. E, por coincidência ou força do tempo (quando é chegada a hora natural da aquisição), após serem submetidas a esses “testes” caseiros, a criança começa a falar, alimentando a imortalidade dos mitos, como os descritos acima.
Iremos usar de dados reais para expormos todas as informações já mencionadas, além de exemplificarmos, constatarmos e elaborarmos uma melhor compreensão do que já foi dito.
Vamos partir do relato de uma mãe, a quem chamaremos de “Ana”, mãe de uma criança de 34 meses de idade, que chamaremos de “Pedro”. As várias perguntas que foram feitas à mãe serão relatadas e comentadas.
Perguntamos quais foram as primeiras palavras pronunciadas por Pedro. “Não lembro com exatidão, porém, as que eu lembro foram: papai, mamãe, água, neném, bebê (para se referir a si mesmo). Nem sempre era uma palavra, às vezes apenas uma letra era usada para se referir a algo, como, por exemplo, (d), para indicar o DVD; dada, para indicar a babá”, responde a mãe.
Comprovamos aqui, como já era esperado, que as primeiras palavras a serem pronunciadas são palavras que determinam, identificam algo importante para a criança. E o que seria mais importante na vida de uma criança do que seus pais? A mãe só não respondeu com precisão em qual idade foram detectadas essas primeiras palavras. Mas, numa média universal, ocorre nos primeiros 12 meses de vida.
Ao passo seguinte, perguntamos quais foram as primeiras frases. Ela hesitou, com dificuldade de lembrar, principalmente pelo fato do desenvolvimento de Pedro ter sido muito rápido, mas logo vieram flashs, citando dois exemplos: “Lembro dele ter dito “quelo sistir evisão”, para falar, “quero assistir televisão”, algo que desde pequeno adora fazer. Outro exemplo foi: “quelo omer”, para dizer, “quero comer”.
Através dos dois exemplos, detectamos, então, a junção de poucas palavras do seu repertório, ou melhor, do seu vocabulário, que, juntas, já exprimiam algo que ele queria.
Quando perguntamos quais foram as primeiras perguntas, a mãe não teve muita dificuldade em responder. Ela disse que, nessa fase, Pedro exagerou, pois queria saber de tudo ao mesmo tempo. “Bom, ele fazia (e faz) muitas perguntas, mas as primeiras foram: “adê mamãe?” (cadê a mamãe?);“ adê papai?” (cadê o papai?); “onde vucê vai?” (onde você vai?)”, disse ela, antes de complementar que ele perguntava o que era algo várias vezes, como se tivesse brincando com ela.
Ana relata que as primeiras palavrinhas foram pronunciadas com dificuldades ou ditas pela metade, porém, com o decorrer do tempo, evoluiu e passou a pronunciá-las mais articuladamente. Vê-se que a criança pesquisada não teve dificuldades, progredindo no ritmo normal.
Ao observarmos a criança, vemos que ela é super inteligente, fala muito, se expressa muito bem, todavia, a mãe nos relatou: “Elaboramos uma estratégia (eu, meu marido e a babá), que continha as seguintes regras: ao falar com Pedro, fazer a pronuncia de cada palavra pausadamente, fixar os olhares enquanto estivéssemos falando e pedir para que ele repetisse.” É perceptível o cuidado da mãe nessa fase de aquisição da linguagem de Pedro, minguando as possíveis dificuldades que pudessem surgir.
Seria interessante, assim como fez Ana, se pudéssemos acompanhar e avaliar uma criança, descobrindo, aos poucos, o andamento do seu processo. Mas acompanhar (um pouco) da experiência com o garoto Pedro, de 34 meses, já foi incrível, pois, através dela, pudemos observar várias etapas estudadas, comprovando-as.

3. CONCLUSÃO
Resumindo todo o processo, a criança, durante o 12º mês, produz diversos sons; começa a balbuciar; evolui o balbucio; reduplica os fonemas que produz.
No 24º mês, adquire mais fonemas de sua língua materna; surgem as primeiras palavras; vai construindo, aos poucos, o seu vocabulário, que junta as palavras e forma pequenas frases.
No 36º mês de idade, continua a aperfeiçoar o que aprendeu e adquirir novos conhecimentos; aprende a maioria dos fonemas; explode o seu vocabulário; surgem as perguntas, as curiosidades e a aquisição das formas gramaticais, ou seja, ocorre o desenvolvimento normal, à medida que a criança cresce.
Algumas crianças progridem mais rápido que outras; atraso ocasionado, talvez, por estarem inseridas num meio social com menos conversação. Sem treino, a obtenção do nível fonológico não é bem desenvolvida, porém, o que se pode constatar é que, com ou sem atraso, as crianças adquirem a linguagem, ou seja, a aquisição é real, mesmo que, em algumas vezes, falha.

4. REFERÊNCIAS

1. AIMARD, Paule. O surgimento da criança na criança. Tradução de Cláudia Schilling. Porto Alegre: Artemd, 1998.

2. BALIEIRO JR, Ari Pedro. Psicolingüística. In MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina. (orgs.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras, v.2. São Paulo: Cortez, 2001

3. SCARPA, Ester Mirian. Aquisição da linguagem. In MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina. (orgs.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras, v.2. São Paulo: Cortez, 2001.

4. SHAYWITZ, Sally. Entendendo a dislexia: um novo e completo programa para todos os níveis de problemas de leitura. Tradução de Vinicius Figueira. Porto Alegre: Artmed, 2006.

5. STERNBERG, Robert J. Psicologia cognitiva. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.



Dejane Oliveira de Sousa , Mara Rogelma Soares Torres eMaria Cassiana Farias Silva são alunas do Curso de Letras da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral. Este artigo resulta de estudos e pesquisas da disicplina AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM, ministrada pelo professor Vicente Martins.

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