sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Que critérios devemos adotar para afirmar onde e quando se dá o surgimento da nossa linguagem?




Maria Verônica Paula Ferreira
Francisco Alcides Martins Junior
Jessé de Sousa Mourão



É difícil ser categórico ao tentarmos situar o início da linguagem. Que critérios devemos adotar para afirmar onde e quando se dá O nascimento da nossa linguagem? Serão indagações difíceis de responder.
Segundo Paule Aimard, em seu livro “O surgimento da linguagem na criança”, a linguagem nasce a partir da interação adulto-criança, do desejo intenso de se comunicar com o outro. Inicialmente, essa comunicação se dá por olhares, sorrisos, posturas e voz, escreve Aimard. Vejamos um trecho retirado do livro de Paule Aimard onde ela descreve essa interação adulto/criança e o surgimento da linguagem:

“... um olhar intenso, largo sorriso prolongado, e depois a criança emite um longo “rrr” seguido de “aeee”, modulando a voz. Recomeça e retoma, com uma expressão quase grave, como se estivesse fazendo algo muito importante. A mãe intervém muito pouco, responde “arre”. Um esboço de conversa.”


Estes são os primeiros contatos entre adulto-criança e o contato que a criança tem com a linguagem. A mãe, naturalmente, cumpre este papel de apresentar a linguagem para o bebê, não só a linguagem falada. Outras formas de comunicação serão ensinadas e captadas pelas crianças.
O homem, certamente, sente uma necessidade e um desejo de se fazer entendido por outras pessoas. Essa necessidade surge logo nos primeiros meses de vida e vai aumentando à medida que a criança vai crescendo. Comunicar-se é, sem dúvida, uma necessidade inata dos homens.
“Um bebê, mesmo quando ainda não emite nenhum som significativo, já consegue se comunicar através de outros tipos de linguagem como olhares, gestos, sorrisos etc.” (Paule Aimard, 1998).
Mais tarde, a criança começará a produzir ou a imitar alguns sons. Começa a fase em que o bebê irá murmurar ou balbuciar. “Segundo Aimard, por volta dos dez meses, a criança começa a juntar fonemas como “dadada” ou “papapa”. Este exercício com os fonemas ajudarão a formar as primeiras palavras.
Ao balbuciar, a criança parece querer nos falar algo, chamar a nossa atenção, pois desde cedo notou no adulto o interesse pelos sons. Nós, adultos, sempre estamos atentos para algum ruído, os sons nos atraem, chama a nossa atenção quase que imediatamente. Ao perceber isto, o bebê tentará incansavelmente chamar a nossa atenção produzindo algum som. Seu balbuciar será sua ferramenta mais eficaz para alcançar seu objetivo inicial – prender a atenção do adulto.
Depois de incansáveis repetições silábicas, de inúmeros exercícios fonéticos e dos jogos de imitação, veremos um salto do “mundo da fonética” para o “mundo das primeiras palavras”, ou seja, o léxico. A criança dirá suas primeiras palavras. “Papai” e “mamãe” são as palavras mais esperadas. Haverá uma grande surpresa se a primeira palavra não for “papai”, nem “mamãe”, (Aimard: 1998).

A criança tentará imitar as palavras mais ouvidas e as que para ela tenham mais importância. Aos nove meses minha sobrinha aprendeu a falar “au-au”, para chamar o cachorro que ela tanto amava, acredito. A cadela da casa sempre fazia com que ela produzisse algum som, gritos ecoavam por toda a casa quando ele se aproximava dela. Catarina ou “au-au”, como preferia Eduarda, minha sobrinha, contribuiu consideravelmente para o desenvolvimento de Eduarda. Claro que chamar Catarina de “au-au” Eduarda precisou ouvir de algum adulto essa expressão. Como afirma Aimard, a criança constrói sua língua a partir das formas orais que escuta; nada lhe indica os limites das palavras, ela adquire pedaços de discursos. Futuramente formará suas primeiras frases.
A partir dos referenciais lingüísticos que nos ajudam a entender o surgimento e a evolução da linguagem no ser humano, percebemos que o bebê só começa a formar as “primeiras frases” durante o segundo ano de vida. Essas frases são construções simples, geralmente formadas por duas ou três palavras.
È interessante notar que essas frases, mesmo sendo formadas por apenas uma ou duas palavras, podem significar muita coisa. Por exemplo, se um bebê nessa faixa etária pronunciar a palavra “mã” ela pode estar se referindo a mãe dela, e “comentando” algo sobre sua mãe; ou pode estar querendo que sua mãe lhe pegue nos braços, e muitas outras situações possíveis. Isso quer dizer que o bebê raciocina alguma coisa dentro de uma determinada situação, mas as suas limitações lingüísticas (verbais) só permitem que ela emita uma única palavra.
A criança só irá construir enunciados mais complexos a partir do terceiro ano, quando ela desenvolverá a maioria dos fonemas, aumentando o vocabulário e a aquisição das formas gramaticais. Esse será um momento importante na linguagem. Como diz Airmad, “três anos é uma idade-chave: a criança diz ‘eu’, compreende praticamente toda a linguagem corrente. É a idade da pergunta.”
Com isso pode-se perceber que a construção das frases iniciais pelas crianças se dá em um período complexo e avançado da aquisição da linguagem; o que é correto supor que a linguagem, como um processo comunicativo, inicia antes mesmo desse período, pois nos dois anos de vida de um bebê, ele já apresenta situações que podemos identificar como comunicação, ou linguagem; mesmo que ele não tenha ainda uma língua complexa capaz de expressar tudo que ele pensa.
Uma das grandes questões acerca da aquisição da linguagem é se ela é realmente adquirida, ou se a criança já nasce com ela. Há questionamentos, também, em relação a quem seja o personagem principal na aquisição da linguagem. Será que a criança cria a língua por si mesma? Será que os pais são as verdadeiras fontes para a formação da língua de um bebê? Existem outras fontes influenciadoras no surgimento, na aquisição e desenvolvimento da linguagem de um ser humano?
Paule Airmad é bem enfática quando diz que “a criança não inventa a linguagem” (AIRMAD: 1998. Pg. 92). Mesmo reconhecendo que a criança já possui aptidões inatas para o desenvolvimento da linguagem, a criança não irá se desenvolver bem linguisticamente se ela não for exposta a situações com as quais ela interaja. É a partir da linguagem dirigida a ela que a criança vai extrair modelos e construir então sua língua. A esse processo de exposição a modelos lingüísticos Airmad chamou de “banho de linguagem”, o que é muito sugestivo.
As primeiras pessoas que são responsáveis por esse “banho de linguagem” na criança são os pais delas, já que são também os primeiros contatos e relacionamentos de qualquer criança. É sabido que as outras pessoas da família, os amigos, as crianças da creche e até a televisão também terão participação nesse processo.
Durante essa situação de interação as formas de comunicação e linguagem serão moduladas, acontecerá o registro de linguagem, isto é, todos nós falamos de uma forma diferente em cada situação; adaptamos o modo de falar de acordo com o momento. Com o nosso pai nós falamos de um jeito, com nosso irmão já falamos de outro, utilizamos uma fala para falar com um desconhecido, enquanto que com um amigo falamos de outra forma. É por isso que o adulto, quando está falando com um bebê, modifica sua voz e sua fala de forma que a criança se sinta bem e “compreenda” o que lhe está sendo dito. É um registro de linguagem que está sendo criado. Esse tipo de registro (adulto/criança) passou algum tempo sem receber a devida atenção, e foi até muito criticado. Com o passar do tempo perceberam que esse tipo de registro poderia ser fonte de estudo e ser muito relevante para a compreensão de como a aquisição da linguagem se dá na criança.
Esse registro, como todos os outros, possui suas características principais, dignas de nota e observação:
1. O adulto utiliza enunciados simples, são apenas poucas palavras, que se referem a algo concreto que está acontecendo naquele momento. Geralmente vêem acompanhadas de formas de comunicação não verbais, como gestos e movimentos que completam e melhoram a compreensão do enunciado;
2. O tom de voz geralmente é enfático, dando a impressão de brincadeira, parecendo a uma fala teatral;
3. Uma particularidade importante desse registro é que ele nunca é fixo. Ou seja, o adulto não utiliza o mesmo jeito de falar com um bebezinho, com uma criança de um ano, outra de dois, de três etc. O adulto espontaneamente vai adaptando o seu modo de falar de acordo com a idade da criança, utilizando para cada faixa etária uma linguagem que julga compreensível à criança.
4. Esse tipo de interação proporciona também o desenvolvimento do diálogo. A criança começa a aprender a conversar: ela “fala” com os seus pais; em seguida se cala e espera por uma resposta; depois pode formular uma resposta adaptada mediante a fala ouvida. Com isso ela estará desenvolvendo os papeis do diálogo, de interlocutores.
Essa interação entre adulto e bebê é de fundamental importância para a aquisição da linguagem. A língua é uma habilidade que a criança desenvolve naturalmente, isso não significa que os pais não devem intervir de forma alguma, deixando que com o tempo as coisas aconteçam. É interessante que cada pai ou mãe saiba a melhor forma de interagir com seu filho, ajudando nesse processo natural, o que poderá lhe ajudar a corrigir algumas falhas que possam surgir no percurso de aquisição e desenvolvimento da linguagem no bebê.
A partir dessas fundamentações teóricas, foi feita uma pesquisa com algumas crianças nesse período inicial de vida e da linguagem. O objetivo foi observar como o processo de aquisição da linguagem está ocorrendo nas crianças; para isso questionamentos sobre as falas iniciais e a interação comunicativa foram feitos aos responsáveis de tais crianças. Assim colhemos algumas amostras para exemplificar as teorias desenvolvidas pelos lingüistas. Para efeito de organização, um questionário padronizado foi confeccionado e consta anexo a esse artigo.
As crianças observadas estão numa faixa etária de 6 meses, 1 ano e 11 meses e 3 anos e 6 meses, respectivamente. Pelo que foi relatado pelas mães durante a entrevista (em anexo) percebemos que todas apresentam um nível de linguagem apropriado à fase que estão vivenciando, algumas apresentam um vocabulário muito correto para a idade.
Constatamos que as crianças começaram a falar por volta dos seis ou sete meses de idade, geralmente as palavras foram quase as mesmas para todas, “papa” (papai), “mama” (mamãe), entre outras. No caso de Ivina, o vocabulário mais extenso, como por exemplo: “au”, “au” (cachorro), “bubu” (chupeta), “cocó” (galinha), “ada” (água), talvez se deva ao fato de sua mãe ser psicopedagoga e por conhecer as etapas do desenvolvimento da fala, tenha estimulado a filha mais adequadamente.
Quanto às primeiras perguntas todas são unânimes: começaram a perguntar à medida que foram compreendendo o mundo, sentindo falta das pessoas (principalmente os pais) e despertando a curiosidade sobre as coisas e objetos. No caso de Yasmim, que ainda é um bebê de 6 meses, sua mãe diz: “ ela olha para mim como se estivesse perguntando alguma coisa”.
As dificuldades de pronúncia estão presentes no caso de Ivina e Clarissa, ambas apresentaram dificuldades com algumas consoantes, como por exemplo, “f”, “r”, “z” e também com alguns encontros consonantais: “br”,”bl”, “cr”.
Pelo que foi dito pelas mães, concluímos que as crianças foram e continuam sendo estimuladas através de conversas, brincadeiras e interagindo com adultos e crianças da mesma idade. As formas mais utilizadas como estímulos são: diálogos, repetição de palavras (os pais e parentes próximos falam uma palavra várias vezes até a criança aprender a repetir), músicas, histórias contadas pelos adultos e brincadeiras com outras crianças.
Todas essas crianças pesquisadas estão numa faixa etária que lhes expõe ao que foi chamado por Airmad de “banho de linguagem”, onde os principais “banhadores”, ou influenciadores são os próprios pais delas. Por isso elas vão desenvolvendo a sua língua baseada nos modelos lingüísticos que ouve constantemente. É de fundamental importância que os pais tomem conhecimento disso e percebem o poder que têm para formação lingüística de seus filhos.



BIBLIOGRAFIA
AIRMAD, Paule. O surgimento da linguagem na criança. Tradução de Cláudia Schiling. Porto Alegre: Artmed, 1998.


Maria Verônica Paula FerreiraFrancisco Alcides Martins Junior e Jessé de Sousa Mourão são alunas do Curso de Letras da UVA, em Sobral. Escreveram este artigo como atividade acadêmica da disciplina AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM, ministrada pelo professor Vicente Martins.

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